CONSIDERAÇÕES ELETROCARDIOGRAFICAS
SOBRE A CARDIOPATIA ISQUÊMICA

SAIR

O diagnóstico de infarto agudo do miocárdio (IAM) é baseado em três critérios:

quadro clinico de dor torácica prolongada em paciente portador de fatores de risco para doença arterial coronária;
eletrocardiograma com alterações indicativas de lesão e de necrose do miocárdio;
elevação dos níveis sangüíneos de marcadores de necrose miocárdica, como troponina e enzima CK-MB.

No caso de se encontrar dois entre os três critérios acima citados diagnostica-se infarto agudo do miocárdio.

O ECG não só é importante para o diagnostico, como também é fundamental para a classificação do infarto do miocárdio. Atualmente consideram-se dois tipos de infarto agudo baseados no ECG:

■ infarto com supradesnível do segmento ST, anteriormente designado infarto com ondas Q;
■ infarto sem supradesnível de ST, também conhecido como infarto não Q.

O supradesnivelamento do segmento ST corresponde à lesão do miocárdio e geralmente é seguido do aparecimento de ondas Q anormais que indicam necrose.
Assim, o infarto com supra de ST exibe alterações características que permitem confirmar o diagnóstico pelo ECG.
Os achados no ECG dependem de fatores diversos como:

  1. duração do processo isquémico,
  2. extensão da lesão,
  3. topografia da parede ventricular acometida
  4. associação de outras anormalidade (o bloqueio do ramo esquerdo mascara os sinais de infarto).

Nos primeiros minutos após a oclusão de uma artéria coronária ECG pode:

  • permanecer normal
  • exibir onda T hiperaguda = uma onda T com amplitude aumentada, indicativa de isquemia,

Raramente ela é registrada como alteração isolada porque, decorridos mais de 30 minutos até o atendimento do paciente e a realização do ECG, o achado mais freqüentemente encontrado é o supradesnível do segmento ST, nas derivações correspondentes à parede comprometida.

Se o paciente não for submetido com urgência a um tratamento de reperfusão, como trombólise farmacológica ou angioplastia por cateterismo, após cerca de 6 horas surgem ondas Q de necrose naquelas derivações.

Após 24 horas de evolução a onda T se torna negativa.


CONCLUSIONANDO, as principais alterações do ECG encontradas na fase aguda do infarto do miocárdio são:

  1. supradesnível do segmento ST
  2. aparecimento de ondas Q anormais;
  3. alterações da onda T

I) ALTERAÇÕES BASICAS

SUPRADESNÍVEL DO SEGMENTO ST

 

Para memorizar:

  • é primeira alteração isquêmica do ECG
  • é detectada na maioria das vezes no paciente com IAM
  • tem como mecanismo o corrente de lesão

Habitualmente todas as células cardíacas sadias deveriam ter o mesmo potencial elétrico na fase precoce da repolarização ventricular. Ou seja, o segmento ST é geralmente isoelétrico, nivelado com a linha de base do eletrocardiograma.

Isso muda em caso de isquemia. Reduzindo o potencial de repouso das células lesadas ela cria um gradiente elétrico entre o miocárdio normal e o miocárdico isquêmico, que gera uma corrente de lesão que se direciona para a área isquêmica e se manifesta no ECG como um desnivelamento do segmento ST para cima da linha de base, nas derivações que correspondem à região comprometida.

O comprometimento da região com lesão mais grave consta em diminuição da contratilidade e eventual distúrbio de condução.

A polarização normal durante a diástole não pode ser mantida pelas células lesadas. Em consequência, o potencial de repouso normal, que é aproximadamente da ordem de -90 mV diminui, por exemplo, para -70 mV, aí, o potencial de ação vai ser deste  jeito:

 

Vale a pensa ressaltar que os tratamentos modernos de reperfusão (como a trombólise ou a angioplastia) fazem as lesões passíveis de reversão.

Como conseqüência, no ECG observa-se:

  1. supradesnivelamento do segmento ST;
  2. supradesnivelamento do ponto J (último ponto do complexo QRS);
  3. ocorrência do supradesnivelamento em pelo menos duas derivações vizinhas.

DICA: Como algumas vezes o segmento ST é ascendente, mas o ponto J é nivelado, o critério mais preciso para considerar lesão é o supradesnivelamento maior do que 0,1 mV {1 mm) do ponto situado a 0,04 s (1 mm) após o ponto J:

O prognóstico do infarto agudo do miocárdio relaciona-se também com o supradesnivelamento do segmento ST; quanto maior, mais alta a mortalidade.

Todavia, nem sempre o supradesnivelamento de ST é patológico; ele pode ser, sendo atribuído à:

  1. repolarização mais precoce de determinadas regiões do miocárdio (encontrado em indivíduos normais, principalmente jovens do sexo masculino)
  2. a pericardite, também causam supradesnível do segmento ST
  3. alterações da despolarização ventricular
      • sobrecarga ventricular esquerda
      • bloqueio do ramo esquerdo.
  4. outras causas:
      • miocardite
      • hemorragia cerebral
      • hiperpotassemia
      • espasmo coronário (angina de Prinzmetal)
      • sindrome de Brugada

O supradesnivelamento geralmente regride após uma semana de evolução do IAM.

E se ele persistir? Nada de bom, neste caso indica a presença de uma área discinética da parede ventricular (aneurisma de ventrículo).

Na maioria das vezes a síndrome coronária aguda com supra de ST é causada por aterosclerose coronária e evolui para infarto com ondas Q de necrose.

Mais raramente o supradesnivelamento pode regredir após administração de vasodilatadores sublinguais, como a isossorbida, e o ECG se normaliza. Esta eventualidade é causada por vasoespasmo de artéria coronária, que pode ser demonstrado pela coronariografia, e é denominada de síndrome de Prinzmetal.

As várias causas de supradesnível do segmento ST implica um atento diagnóstico diferencial com o infarto agudo do miocárdio, indiscutivelmente mais relevante.

É importante ainda reconhecer no ECG o fenômeno de reciprocidade dos desvios do segmento ST: o supradesnível em derivações contíguas é acompanhado de infradesnível nas derivações contralaterais. Assim> por exemplo, no infarto da parede inferior verifica-se comumente supradesnivelamento de ST nas derivações inferiores D2, D3 e aVF e alterações recíprocas (infradesnivelamento) nas derivações mais altas Dl e aVL.

ISQUEMIA TRANSMURAL E SUBENDOCÁRDICA

A parede ventricular pode ser dividida teoricamente em duas metades:

  1. a camada interna subendocárdica
  2. a camada externa subepicárdica

O ventrículo não é nutrido pelo conteúdo sangüíneo em sua cavidade, o miocárdio é perfundido pelas artérias coronárias que irrigam o coração, do epicárdio em direção ao endocárdio. Existe íntimo contato da parede com a massa de sangue que ele impulsiona.

A região subendocárdica é particularmente vulnerável à isquemia:

  • é mais distante do suprimento sangüíneo,
  • e mais próxima das grandes pressões intracavitárias

A isquemia subendocárdica pode ser predominante:

  • na isquemia transitória no ECG de esforço,
  • angina instável
  • infarto sem supradesnível de ST

As alterações isquêmicas do miocárdio (isquemia ou lesão) determinam alterações diversas do segmento ST no eletrocardiograma.

  • infradesnivelamento do segmento ST nas derivações correspondentes à região lesada - não surgem ondas Q patológicas.
  • na lesão transmural ou subepicárdica - supradesnivelamento de ST - evolui para necrose transmural e desenvolvimento de ondas Q (a pericardite, por exemplo, que se manifesta com supradesnivelamento difuso do segmento ST)

A classificação topográfica do infarto em transmural e subendocárdico não é mais utilizada. Porque? Ela apresenta várias exceções, mas mesmo assim o seu conhecimento é importante para a compreensão da isquemia.

São mais precisas e utilizam-se preferencialmente as denominações de síndromes coronárias agudas com supra e sem supradesnível do segmento ST.

ONDAS Q DE NECROSE

NECROSE:

  1. destruição das células
  2. perda de integridade da membrana celular
  3. liberação de substâncias intracelulares na corrente sangüínea (a troponina e as enzimas CK e CK-MB) permitindo o diagnóstico do infarto por dosagens de marcadores
  4. área eletricamente inativa no ECG

Áreas inativas são diagnosticadas no ECG nas seguintes situações:

  1. aparecimento de ondas Q anormais;
  2. diminuição das ondas R nas derivações precordiais (infarto da parede anterior);
  3. aumento das ondas R nas precordiais direitas (imagem em espelho de infarto da parede posterior).

A característica mais expressiva de necrose no ECG é a presença de ondas Q de grande magnitude, e a melhor explicação para sua origem é a teoria da janela.

A parede com infarto não produz potenciais elétricos, mas permite a condução do estímulo.

No ECG normal ondas Q de pequena amplitude podem ser encontradas e correspondem à ativação do septo interventricular. A regra é a seguinte: ondas Q de grande magnitude são quase sempre anormais.

Como reconhecemos as ondas Q patológicas:

  1. duração igual ou maior que 0,04 s;
  2. amplitude igual ou maior que um quarto do complexo QRS;
  3. é necessário que as ondas Q anormais sejam encontradas em pelo menos duas derivações vizinhas.

Podem, ainda, produzir ondas Q patológicas:

  1. as miocardiopatias
  2. fibrose do miocárdio
  3. cardiopatia da doença de Chagas (na fase avançada) e indicam comprometimento grave do miocárdio, acompanhado de disfunção ventricular e insuficiência cardíaca.
  4. cardiomiopatia hipertrófica (ondas Q em derivações inferiores e/ou laterais e ondas R em V1

 

ALTERAÇÕES DA ONDA T

Falamos especialmente de onda T hiperaguda, ampla, tendendo a simétrica e pontiaguda. que surge nos primeiros minutos. Veja abaixo:

Decorridas poucas horas, quando começam a aparecer ondas Q de necrose, a onda T se achata e após cerca de 24 horas ela se torna negativa. Veja abaixo:

Na primeira semana  as ondas T negativas se tornam mais profundas.

Após algumas semanas, quando a extensão do infarto é pequena, as ondas T podem se tornar positivas.

A inversão da onda T, muitas vezes considerada alteração sugestiva de isquemia, não é específica de processo isquêmico porque ocorre também em diversas outras condições, como os processos inflamatórios (pericardites e miocardites), secundariamente a hipertrofias ventriculares e bloqueio do ramo esquerdo e até em corações estruturalmente normais.

Na parede ventricular com infarto, havendo a ausência de despolarização e de repolarização, as ondas T são negativas porque nas derivações correspondentes são registradas as imagens em espelho da repolarização normal da parede oposta.

II) EVOLUÇÃO DAS ALTERAÇÕES


Na era pré-trombolítica, quase todos os pacientes com síndrome coronariana aguda e supradesnível do segmento ST evoluíam para infarto com ondas Q, apresentando as alterações citadas. A evolução do ECG é a mesma se a reperfusão é ineficaz ou o paciente é atendido após surgimento de necrose importante.

Hoje, é possível reverter com os tratamentos de reperfusão. A regressão precoce do supradesnivelamento do segmento ST (> 50%) em até 4 horas significa o sucesso da recanalização.

O infarto agudo em evolução pode ser reconhecido enquanto o ST permanece supradesnivelado. Isso pode durar alguns dias.

Após aproximadamente uma semana o segmento ST encontra-se nivelado e ondas Q e ondas T negativas são encontradas no ECG.

Após alguns meses as ondas T podem se tornar positivas ou permanecer negativas definitivamente.

Quando as ondas Q  regridem, o infarto é muito pequeno. Se o supradesnivelamento do segmento ST não regride após algumas semanas suspeita-se de aneurisma de ventrículo. O aneurisma ventricular surge após infarto de grande extensão e se caracteriza pelo abaulamento paradoxal da parede cicatrizada durante a contração do coração.

No ECG, entretanto, as alterações simulam infarto do miocárdio em evolução.

III) CORRELAÇÕES ANATOMICAS

Do ponto de vista anatômico as paredes do coração são habitualmente classificadas em:

      • anterior
      • inferior
      • lateral
      • posterior

Na maioria das vezes o infarto do miocárdio acomete a parede anterior ou a parede inferior do ventrículo esquerdo.

O infarto costuma envolver mais de uma localização simultaneamente ou em ocasiões distintas:

 

OS INFARTOS MAIS CONHECIDOS:

      • anterosseptal
      • anterolateral
      • inferodorsal
      • laterodorsal
      • infarto inferior
      • de ventrículo direito

Às vezes apenas a ponta do coração é atingida.

As regiões correspondentes às derivações do ECG em que se encontram as alterações:

Duas artérias coronárias originam-se na raiz da aorta: direita e esquerda.

A esquerda bifurca-se em duas outras grandes artérias: descendente anterior e circunflexa.

O segmento antes da bifurcação é denominado tronco da artéria coronária esquerda e a sua obstrução é causa importante de infarto fatal.

  • A artéria coronária esquerda irriga o ventrículo esquerdo (paredes anterior e lateral), o septo interventricular e o feixe de His.
  • A artéria coronária direita irriga o VE (paredes inferior e posterior), o VD, o nó sinusal e o nó AV. Conforme a localização do infarto é possível inferir a artéria obstruída, apesar das variações anatômicas

1. INFARTO DE PAREDE ANTERIOR

MECANISMO: obstrução distal da artéria coronária descendente anterior (a oclusão proximal da DA causa infarto anterior extenso anterolateral)

AREA ACOMETIDA infarto anterosseptal

ECG: alterações nas derivações V1 a V4 (alterações típicas para a oclusão proximal da DA ocorrem nas precordiais de V1 a V6 e em D l e aVL )

EXCEÇÕES:

  1. Se, por acaso não há supradesnivelamento de ST em V1 pode conclusionar que o septo interventricular recebe irrigação dupla (DA e coronária direita)
  2. O encontro de supradesnivelamento de ST e/ou ondas Q em derivações anteriores e inferiores não indica necessariamente a existência de dois infartos ou de um infarto muito extenso. Na maioria das vezes corresponde ao infarto apical, também denominado anteroapical, causado pela oclusão distai de uma artéria DA longa, que ultrapassa o ápice do coração

2. INFARTO DE PAREDE INFERIOR

MECANISMO:

O supradesnivelamento em D3 é maior do que em D2.


Quando a obstrução da CD é proximal, pode haver extensão do infarto para a parede posterior ou para o ventrículo direito:

 

3. INFARTO DE PAREDE POSTERIOR

MECANISMO: obstrução proximal da CD.

ECG: alterações recíprocas (imagens em espelho) nas derivações precordiais direitas (V1 a V3) correspondentes às alterações características encontradas nas derivações especiais posteriores V7 e V8:

  • infradesnivelamento de ST em V2 e V3, que eqüivale ao supradesnivelamento de V7 e V8;
  • aumento da onda R de V1 a V3, que corresponde às ondas Q encontradas em V7 e V8, e caracteriza a necrose.

INFARTO DE VENTRÍCULO DIREITO

MECANISMO: obstrução da coronária direita.

ELETROCARDIOGRAMA: supradesnivelamento de ST nas derivações especiais direitas V2R a V5R.

Como V2R tem a mesma posiçào que V1, suspeita-se de infarto de VD quando se encontra supradesnível de ST isolado em V1, na presença de infarto inferior.

O infarto do VD só pode ser diagnosticado na fase aguda, pelo supradesnivelamento do segmento ST (igual ou maior que 1 mm). O encontro de ondas Q à direita em V3R e V4R pode ser normal e não tem valor diagnóstico.

INFARTO DE PAREDE LATERAL

MECANISMO:

  • oclusão proximal da DA (infarto anterolateral)
  • oclusão da artéria circunflexa (infarto laterodorsal ou inferolaterodorsal)

O infarto isolado da parede lateral é raro. Quando a extensão do infarto para a parede inferior é causada por obstrução da circunflexa, o supradesnivelamento de ST é maior em D2 do que em D3 e ocorre também em D1 e aVL.

INFARTO COM BLOQUEIO DE RAMO

O infarto agudo do miocárdio pode estar associado a bloqueio de ramo:

  • bloqueio de ramo preexistente
  • em decorrência do infarto agudo, geralmente mais grave
  • o infarto de parede anterior associa, geralmente esse evento
  • não impede o diagnóstico e não dificulta o acompanhamento evolutivo do IAM no ECG.
  • oclusão próximal da DA, antes da primeira artéria septal, portanto mais grave
  • mascara o diagnóstico de infarto do miocárdio (altera a despolarização septal)
  • pode causar supradesnivelamento do segmento ST.
  • deve ser suspeitado quando se encontra desnivelamento concordante de ST (igual ou maior que 1 mm) ou discordante exagerado (maior que 5 mm)

INFARTO ATRIAL

É geralmente associado a infarto ventricular e muitas vezes passa desapercebido. O diagnóstico é difícil.

Deve ser suspeitado quando uma arritmia atrial surge em paciente com infarto agudo do miocárdio e se observa o segmento PR infradesnivelado


As alterações mais sugestivas de infarto atrial são:

  1. infradesnivelamento ou supradesnivelamento do segmento PR;
  2. segmento PR infradesnivelado associado a arritmia supraventricular;
  3. segmento PR infradesnivelado associado a ondas P anormalmente entalhadas, semelhantes a bloqueio intraatrial.

ARRITMIAS NO IAM

TIPO: Qualquer tipo de arritmia, incluindo a taquicardia ventricular cujo risco maior é a evolução para fibrilação ventricular e parada cardíaca.

Por este motivo o doente deve permanecer internado em unidade de tratamento intensivo, com monitorização do ECG durante a fase aguda do infarto.

A artéria coronária direita é responsável pela irrigação do nó atrioventricular, o infarto da parede inferior pode complicar com bloqueio AV e bradicardia.

 

MISODOR, 15 DE FEVEREIRO DE 2011

 

BIBLIOGRAFIA:

  1. GOLDMAN - AUSIELLO: CECIL MEDICINA, vol I, 23-a edição, Ed. Saunders - Elsevier 2009
  2. USP - CLINICA MEDICA - Volume 2 - Editora Manole 2009
  3. Cardiopatia isquêmica - Antônio C. C. Carvalho, José Marconi A. Sousa - Rev Bras Hipertens 8: 297-305, 2001
  4. ELETROCARDIOGRAMA EM 7 AULAS: Antonio Americo Friedmann, Editura Manole, Barueri, SP, 2011

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