SÍNDROME DE CHOQUE TÓXICO
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Lactente jovem, do sexo feminino, 1 ano e 2 meses, 9 kg, previamente hígido e eutrófico, apresentando coriza hialina, obstrução nasal, tosse seca e febre, contínua, entre 38,5 e 39,4º C, recebendo antitérmicos há 5 dias. O exantema surgiu no segundo dia de sintomas acompanhado por queda do estado geral. Foi admitida na enfermaria de pediatria para investigação.

Ao exame admissional, encontrava-se em regular estado geral, ictérica, desidratada e febril, com edema generalizado em membros superiores, inferiores e face. Exantema micropapular difuso em membros inferiores, superiores, tronco, face, mãos e pés, áspero, pruriginoso, com áreas de petéquias, mais evidentes no braço esquerdo e na perna direita.

À otoscopia, o conduto auditivo esquerdo estava hiperemiado, a membrana timpânica opaca, com efusão serosa, fétida, em moderada quantidade. Oroscopia com tonsilas grau II, com discreta hiperemia de pilares, sem exsudato. À ausculta cardíaca, bulhas em ritmo de galope, com sopro holossistólico (3+/6+) em foco mitral; taquicardica, pressão arterial 108 × 56 mmHg. Pulmões com murmúrio vesicular bilateralmente distribuído, crepitações grossas em base esquerda, eupneica, sem desconforto, saturando 95% em ar ambiente. Fígado palpado há 4 cm do rebordo costal direito. Glasgow 11, pouco contactante, sem rigidez de nuca ou déficits neurológicos focais.

Ao final do primeiro dia de internação, evoluiu com toxêmia, taquicardia, taquipneia, hipotensão arterial e prolongamento do tempo de enchimento capilar, sendo aventada a hipótese de choque séptico de foco não definido. Recebeu expansão com cristaloide 20 mL/kg em alíquota única e foi encaminhada para unidade de terapia intensiva (UTI) pediátrica.

Ao ser admitida na UTI, foi realizada ecocardiografia funcional, apontando contratilidade miocárdica reduzida, com consequente queda da fração de ejeção, seguida de avaliação hemodinâmica guiada por ultrassonografia, sendo indicadas duas novas expansões (totalizando 60mL/kg) e iniciada epinefrina contínua, titulada até 0,3 mcg/kg/minuto. Foi intubada, sendo puncionado acesso venoso central e dissecado acesso para pressão arterial invasiva.

CONCEITO

As bactérias gram-positivo, Staphylococcus aureus e Streptococcus pyogenes, são microrganismos capazes de produzir uma grande variedade de exotoxinas, incluindo toxinas conhecidas como superantigénios.

Os superantigénios interagem com as células apresentadoras de antigénios e com as células T, induzindo a proliferação dessas células T e uma produção massiva de citocinas inflamatórias. Como resultado desta ativação inflamatória, surgem sintomas como febre, exantema, aumento da permeabilidade capilar e subsequente hipotensão, que são típicos do síndrome do choque tóxico.

Trata-se de um processo inflamatório sistêmico, induzido por mediadores imunológicos em resposta a determinadas infecções causadas por esses agentes, no qual exotoxinas atuam como superantígenos, indutores da proliferação e ativação de linfócitos T e macrófagos, resultando na liberação maciça de citocinas, cursando com lesão tecidual e aumento da permeabilidade capilar, culminando em disfunção de múltiplos órgãos e choque, além de aumentar a suscetibilidade ao choque endotóxico por bactérias Gram-negativas.

Dentre as infecções causadas por Streptococcus β hemolyticus do grupo A de Lancefield, talvez a síndrome do choque tóxico seja a mais grave, com alto índice de mortalidade.

Uma importante mudança na epidemiologia da síndrome do choque tóxico deveu-se ao aumento na frequência dos Staphylococcus aureus resistentes à oxacilina, primeiro nos hospitais e, mais recentemente, também na comunidade.

Apesar de muitas vezes ser confundida com o choque séptico, a síndrome de choque toxico inclui manifestações clínicas específicas, como exantema, descamação em pés e mãos, comprometimento muscular, hiperemiafaríngea e conjuntival, sintomas gastrointestinais e insuficiência renal aguda de rápida progressão. A eritrodermia: erupção difusa tipo queimadura solar em geral associada a síndrome do choque tóxico (síndrome de choque tóxico, definida pelos critérios clínicos de hipotensão, falência de múltiplos órgãos, febre e erupção cutânea) em pacientes agudamente enfermos; é mais comum na síndrome de choque tóxico estafilocócica que na estreptocócica. São eritemas descamativos confluentes.

Em 1927 foi descrito pela primeira vez um síndrome associado à infeção pelo Staphylococcus aureus com uma apresentação clínica de febre, odinofagia, mialgias, exantema escarlatiniforme, descamação da pele e edema,

Somente no ano de 1978, é que lhe foi atribuída a nomenclatura de síndrome de choque tóxico estafilocócico.

Dois anos mais tarde, em 1980, foi descoberto que as mulheres que usavam tampões vaginais com grande capacidade de absorção constituíam um grupo de alto risco, embora também tenham sido descritos casos em homens e em mulheres sem associação com a menstruação.

Nas últimas décadas, devido a mudanças na capacidade de absorção, na composição e nos padrões de utilização dos tampões menstruais, o número desses casos caiu, aumentando a proporção de casos relacionados à colonização ou infecção estafilocócica em outros sítios.

Houve um aumento na frequência dos Staphylococcus aureus resistentes à oxacilina, primeiro nos hospitais e, mais recentemente, também na comunidade

Em 1987, foram descritos 2 casos de infeções graves por Streptococcus do grupo A com apresentações clínicas semelhantes ao síndrome de choque tóxico estafilocócico.

ETIOLOGIA

Essas manifestações clínicas decorrem da produção de exotoxinas bacterianas que funcionam no organismo humano como superantígenos, com destaque para a toxina-1 do choque tóxico estafilocócico (TSST-1) e para as toxinas pirogênicas estreptocócicas.

São proteínas de cadeia simples expressas como percursores moleculares, que são posteriormente clivados, de modo a libertar a toxina extracelular funcional. Elas necessitam de penetrar a barreira mucosa e aceder à submucosa para causar síndrome de choque toxico.

Estas proteínas são particularmente resistentes ao calor, à proteólise pela tripsina e pela pepsina, ao ácido gástrico e à dessecação.

As citolisinas, particularmente a α-toxina, são necessárias para facilitar este processo, através da sua ação citotóxica e pró-inflamatória.

As quimiocinas libertadas, tais como a IL-8 e a macrophage inflammatory protein-3 alpha (MIP-3a), recrutam, consequentemente, as células do sistema imunológico inato e adaptativo para a submucosa. Estas células tornam-se ativas, exacerbando a inflamação e causando a rutura da barreira. Assim, no síndrome de choque tóxico associado à menstruação, a barreira mucosa vaginal é completamente quebrada e torna-se permeável ao TSST-1. O acesso do TSST1 à submucosa permite, então, a interação com as células T e os macrófagos, que despoletam a ativação massiva de citocinas.

São 3 principais síndromes de choque septico, pela etiologia:

  • Streptococicas
  • Stafilococicas
  • Clostridicas

FORMAS CLINICAS

SÍNDROME DO CHOQUE TÓXICO ESTAFILOCÓCICO

A síndrome do choque tóxico estafilocócico é mais frequentemente causada por cepas produtoras da toxina-1 do choque tóxico estafilocócico, no entanto, o papel de outras exotoxinas estafilocócicas é provável.

Algumas enterotoxinas, por exemplo, também têm sido imputadas nas últimas décadas como possíveis mediadoras.

Aparece geralmente em casos tipicos:

  • mulheres utilizando tampões menstruais
  • após procedimentos cirúrgicos
  • em associação com lesões cutâneas

Ás vézes. não há um foco identificável.

Na verdade a toxina age como um superantígeno, estimulando a proliferação e ativação de linfócitos T. Ocorre liberação de citocinas, sobretudo fator de necrose tumoral alfa e beta, interleucina-1 e interleucina-2.

Por causa destes mediadores há:

  • aumento da permeabilidade capilar
  • hipotensão
  • falência de múltiplos órgãos

As manifestações clínicas incluem:

  • febre
  • exantema
  • hipotensão
  • sinais de envolvimento de múltiplos órgãos

Os critérios para definição clínica de caso de síndrome do choque tóxico estafilocócico são apresentados na tabela.

 

CRITÉRIOS DIAGNÓSTICOS

Febre (T≥38,9° C)

Exantema macular difuso

Descamação: cerca de 1-2 semanas após o início do quadro, principalmente nas palmas, plantas, e dedos dos pés e das mãos

Hipotensão: pressão sistólica ≤ 90 mm Hg para adultos; menor que o percentil 5 para a idade em crianças menores de 16 anos; queda ortostática ≥15 mm Hg; tontura ou síncope ortostáticas

Envolvimento de múltiplos órgãos e sistemas: 3 ou mais dos seguintes:

  • Gastrointestinal: vômito ou diarreia no início do quadro
  • Muscular: mialgia grave ou elevação de CPK maior que 2 vezes o limite superior da normalidade
  • Mucosas: hiperemia conjuntival, vaginal ou orofaríngea
  • Renal: ureia ou creatinina maiores que 2 vezes o limite superior da normalidade ou sedimento urinário com ≥ 5 leucócitos por campo, na ausência de infecção de trato urinário
  • Hepático: bilirrubinas totais, AST ou ALT maiores que 2 vezes o limite superior da normalidade Hematológico: contagem de plaquetas ≤ 100.000/mm3
  • Sistema nervoso central: desorientação ou alteração no nível de consciência sem sinais neurológicos focais, quando febre e hipotensão estão ausentes

Critérios laboratoriais - Resultados negativos dos seguintes testes, se obtidos:

  • Culturas de sangue, orofaringe ou líquor; hemocultura pode ser positiva para Staphylococcus aureus
  • Sorologias para febre maculosa, leptospirose, ou sarampo
  • Ferramentas moleculares já disponíveis, incluindo reação em cadeia pela polimerase (PCR) permitem a detecção de S. aureus em amostras clínicas e a avaliação, em cepas isoladas, da presença da TSST-1 e outros fatores de virulência.

Classificação de caso

  • Provável: caso que preenche os critérios laboratoriais e em que 4 dos 5 critérios clínicos estão presentes.
  • Confirmado: caso que preenche os critérios laboratoriais e todos os 5 critérios clínicos, incluindo descamação, a não ser que o paciente evolua para óbito antes que a descamação possa ocorrer

O diagnóstico é, sobretudo, clínico.

Devem ser colhidas amostras para cultura de quaisquer sítios suspeitos de infecção, na tentativa de aumentar a chance de se identificar o agente etiológico, já que ocorre crescimento de S. aureus em hemoculturas de menos de 5% dos casos.

Quanto ao tratamento, a prioridade deve ser o suporte intensivo.

A terapia antimicrobiana empírica deve incluir um beta-lactâmico com atividade anti-estafilocócica, como por exemplo a oxacilina, utilizado por ser bactericida, auxiliando na erradicação da bactéria do sítio de infecção e um inibidor de síntese protéica, como a clindamicina, com o objetivo de diminuir a síntese da toxina.

Em locais com alta prevalência de Staphylococcus aureus resistentes à oxacilina associados à comunidade, recomenda-se o uso da vancomicina em lugar do beta-lactâmico.

Atualmente, com o surgimento das cepas resistentes ou com susceptibilidade reduzida à vancomicina, podem ser consideradas algumas novas opções terapêuticas já disponíveis ou em fase de liberação pelas agências internacionais de regulação, como os novos glicopeptídeos ou lipoglicopeptídeos

  1. telavancina
  2. dalbavancina
  3. oritavancina
  4. tigeciclina
  5. linezolida
  6. daptomicina
  7. cefalosporinas com ação contra S. aureus resistentes à oxacilina
  8. ceftarolina
  9. ceftobiprole

Cabe dizer que, ás vézes, pode se conseguir a identificação do microrganismo. Neste caso, obviamente, o esquema deve ser adaptado de acordo com os dados fornecidos pelo teste de susceptibilidade.

QUANTO TEMPO TEM QUE FAZER ANTIBIOTICOTERAPIA?

Considera-se um mínimo de 10-14 dias.

Depende da localização da infecção.

Ccorpos estranhos potencialmente relacionados devem ser retirados. Os sítios de infecção tem que ser drenados.

O uso de imunoglobulina intravenosa (IGIV) também pode ser considerado, principalmente nos pacientes refratários às medidas terapêuticas iniciais.

A imunoglobulina é administrada com a finalidade de neutralizar a toxina circulante.

As doses variam - de 150 a 400 mg/Kg por dia durante 5 dias até 1 a 2 g/Kg em dose única, com uma preferência por esse último esquema.

SÍNDROME DO CHOQUE TÓXICO ESTREPTOCÓCICO

Basicamente, o mecanismo é o mesmo que no caso do choqiue tóxico estafilococico. Há cepas produtoras de exotoxinas pirogênicas, que agem como superantígenos.

ETIOLOGIA:

São fatores de risco para a síndrome de choque tóxico estreptocócico:

  1. Traumas menores causando hematoma ou lesão muscular
  2. Uso de anti-inflamatórios não esteroidais
  3. Cirurgias recentes
  4. Infecções virais
  5. Pós-parto

Os pacientes que desenvolveram síndrome de choque tóxico tinham mais frequentemente associadas outras comorbilidades.

Nos adultos estas comorbilidades eram a doença cardíaca, hepática e renal, a depressão, a diabetes, bem como, o abuso etílico e de drogas.

Nas crianças o síndrome de choque tóxico associou-se mais a distúrbios metabólicos. Para além disso, os pacientes com síndrome de choque tóxico também tinham maior probabilidade de terem bacteriemia e fasceíte necrotizante.

Os genes codificadores de proteínas de superfície M mais frequentemente identificados das estirpes de Streptococcus do Grupo A foram os emm1, emm3, emm12, emm 28, emm 82, emm 89

A presença do gene emm1 associou-se a uma maior frequência de síndrome de choque tóxico, bem como, a uma maior taxa de mortalidade

SINTOMATOLOGIA

O quadro clínico também inclui:

  • febre
  • exantema
  • hipotensão
  • sinais e sintomas de envolvimento de múltiplos órgãos

Foco de infecção, sobretudo em partes moles:

  • celulite
  • miosite
  • fasceíte necrosante

Infecções invasivas:

  • pneumonia
  • infecções de corrente sanguínea
  • osteomielite
  • pioartrite
  • endocardite

DIAGNÓSTICO:

  • critérios clínicos
  • isolamento do Streptococcus pyogenes em amostras clínicas colhidas diretamente do foco de infecção
  • hemoculturas positivas (em mais de 50% dos casos)

CRITÉRIOS DIAGNÓSTICOS

I. ISOLAMENTO DE STREPTOCOCCUS PYOGENES DE:

  1. Sítio normalmente estéril (sangue, líquor, líquido peritoneal, tecido colhido por biópsia, etc.)
  2. Sítio não-estéril (orofaringe, escarro, vagina, sítio cirúrgico, outras lesões superficiais, etc.)

II. Sinais clínicos de gravidade:

A. Hipotensão: pressão sistólica ≤ 90 mm Hg para adultos; menor que o percentil 5 para a idade em crianças menores de 16 anos

B. DOIS OU MAIS DOS SEGUINTES SINAIS:

Insuficiência renal:

  • creatinina ≥ 2mg/dL em adultos
  • ≥ 2 vezes o limite superior da normalidade para a idade em crianças

Coagulopatia:

  • contagem de plaquetas ≤ 100.000/mm3
  • coagulação intravascular disseminada

Envolvimento hepático:

  • bilirrubinas totais  maior que 2 vezes o limite superior da normalidade
  • AST maior que 2 vezes o limite superior da normalidade
  • ALT maior que 2 vezes o limite superior da normalidade

Síndrome do desconforto respiratório agudo

Exantema macular difuso, que pode descamar

Necrose de partes moles

  • fasceíte necrosante
  • miosite
  • gangrena

INTERPRETAÇÃO:

  • Um caso que preencha os critérios IA e IIA e IIB pode ser definido como um caso confirmado.
  • Um caso que preencha os critérios IB e IIA e IIB pode ser definido como um caso provável, se nenhuma outra causa para as manifestações clínicas for identificada.

TRATAMENTO:

  1. suporte de terapia intensiva
  2. drenagem do foco de infecção
  3. ressecção de quaisquer tecidos necrótico
  4. esquema antimicrobiano empírico por no mínimo 10 a 14 dias - deve ser o mesmo nas etiologias estreptocócica e estafilocócica - já que clinicamente é impossível diferenciar
  5. utilização de IGIV - apesar de não demonstrar diferenças de prognóstico, a maioria dos autores ainda defende seu uso nos casos refratários às medidas iniciais

MISODOR, 24 DE MAIO DE 2021

BIBLIOGRAFIA:

  1. Haroldo Teófilo de Carvalho , José Roberto Fioretto , Cristiane Franco Ribeiro , Isabela Ortiz Laraia , Mario Ferreira Carpi Diagnóstico e tratamento da síndrome do choque tóxico estreptocócico em unidade de terapia intensiva pediátrica: relato de caso Rev Bras Ter Intensiva. 2019;31(4):586-591. Documento eletronico disponível no endereço eletronico acessado dia 18 de maio de 2021
  2. American Academy of Pediatrics. Staphylococcal infections. In: Pickering LK, Baker CJ, Kimberlin DW, Long SS, eds. Red Book:2009 Report of the Committee on Infectious Diseases. 28th ed.Elk Grove Village, IL: American Academy of Pediatrics; 2009.
  3. Álvares PA, Mimica MJ. Síndrome do choque tóxico. Arq Med Hosp Fac Cienc Med Santa Casa São Paulo. 2012;57(2):81-4.
  4. Shah SS, Hall M, Srivastava R, Subramony A, Levin JE. Intravenous immunoglobulin in children with streptococcal toxic shock syndrome. Clin Infect Dis. 2009; 49:1369-76.
  5. Diogo Carvalho Pereira de Sá Síndromes de choque tóxico / Toxic shock syndromes Mestrado Integrado em Medicina Área: Doenças infeciosas, disponível no endereço eletronico acessado dia 24 de maio de 2021.
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